sábado, 23 de janeiro de 2010

Uma Arte, de Elizabeth Bishop


Esta poesia foi um presente do mesmo amigo do mestrado, Rodorval, na ocasião em que perdi meu pai. Ela, mesmo sendo muito dolorida para quem já perdeu alguém ou algo que lhe era muito caro, é também uma lição de como devemos nos desapegar das coisas, pois nem as coisas nem as pessoas são nossas.

"Elizabeth Bishop, americana, viveu no Brasil e toda sua vida toda teria dificuldades para sustentar sua carreira, dependia bastante de doações, empréstimos, prêmios e outros incentivos universitários. Em 1951, ao receber 2,500 dólares do Bryn Mawr College (importância então considerável) pode decidir-se a navegar ao redor da América do Sul. Chegou a Santos em Novembro, esperando ficar duas semanas, para desfrutar da paisagem numa curta pausa de sua semanas em sua longa viagem, mas sua estada se estendeu por mais de vinte anos.

O Brasil marcou sua vida como temática de numerosos poemas, contos e cartas, e, como afirma a obra «Brasiliana da Biblioteca Nacional», de 2001, em sua página 107, «como vivência afetiva, pautada sobretudo pela longa relação amorosa com Lota Macedo Soares Tal amizade lhe daria estabilidade e amor e estabeleceu residência no Rio de Janeiro, depois nos arredores, em Petrópolis e mais tarde em Ouro Preto .

Diz a mesma obra: «Representante ilustre da poesia moderna norte-americana, Bishop residiu no Brasil como estrangeira voluntariamente exilada de seu país, mas profundamente conectada com o movimento cultural norte-americano», principalmente com o poeta  Robert Loewe e com sua mentora Marianne Moore. (....) «Traduziu poemas dos principais expoentes do modernismo brasileiro e manteve relações cordiais com vários desses artistas.»
Chegou no último governo Vargas, documentou o suicídio do presidente, viu a ascensão de JK e a queda de Jango Goulart . Endossava as opiniões de sua namorada Lota, paisagista e amiga de Carlos Lacerda, partidária de posições udenistas. Com simpatias pelo partido democrático nos Estados Unidos, críticas ao sistema de segregação racial norte-americano, assumiu no Brasil uma posição antiesquerdista. Mas a verdade é que a política jamais foi tema de interesse central para ela. Sua percepção das contradições brasileiras é sutil e perspicaz em poemas sobre a paisagem de Santarém/PA , por exemplo, na evocação das chuvas tropicais, na sátira social explícita (poema Pink Dog, por exemplo) no retrato dos pobres urbanos.

Vendendo a casa de Ouro Preto após o suicídio de Lota, no início da década de 1970 retornou defitinivamente aos Estados Unidos.

Enquanto vivia no Brasil, em 1956 recebeu o prêmio Pulitzer pelo livro «North & South — A Cold Spring». Receberia mais tarde o Prêmio Nacional do Livro (the National Book Award) e o prêmio nacional do círculo dos Críticos literários (the National Book Critics Circle Award) assim como duas bolsas Guggenheim e uma da Ingram Merrill Foundation. Tornou-se poeta residente na Universidade de Harvard em 1969. Começou em 1971 uma amizade íntima com Alice Methfessel que duraria até sua morte em 1979.


Em 1976, foi a primeira mulher a receber o International Neustadt Prize for Literature (prêmio internacional Neustadt de Literatura) e continua sendo o único americano a recebê-lo.

Escreveu muito para a revista The New Yorker, e em 1964 escreveu o obituário de Flannery O'Connor para a The New York Review of Books. Fazia muitas conferências, e durante uns poucos anos ensinou na Universidade de Washington, antes de se mudar para Harvard por sete anos. Ensinou ainda na Universidade de Nova Iorque, antes de terminar seus dias de ensino no Massachussetts Institute of Technology (MIT).

Gastava meses, por vezes anos, escrevendo um poema apenas, trabalhando para obter um sentido de espontaneidade. Apaixonada pela exatidão, recriou os mundos do Canadá, Améria, Europa e Brasil. Não admitia ter pena de si mesma, mas seus poemas mal escondem todas as dificuldades como mulher, como lésbica, como órfã, como viajante sem raízes, ou asmática frequentemente hospitalizada, mulher que sofria de depressão e por vezes alcoolismo.



"I'm not interested in big-scale work as such," disse uma vez a Lowell. "Something needn't be large to be good." O que simplesmente quer dizer que não estava intressada por trabalho em larga escala, por não acreditar que algo precisasse ser grande para ser bom…

(Trecho biográfico retirado da Wikipédia)

Bem, agora vamos lá à poesia que se denomina UMA ARTE:


A arte de perder não tarda aprender;
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.

Perca algo a cada dia.
Aceita o susto
de perder chaves,
e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.

Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias ir.
Nenhuma perda trará desastre.

Perdi o relógio de minha mãe.
A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.

Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.

— Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda - escreva tudo! - lembre desastre.

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sábado, 23 de janeiro de 2010

Uma Arte, de Elizabeth Bishop


Esta poesia foi um presente do mesmo amigo do mestrado, Rodorval, na ocasião em que perdi meu pai. Ela, mesmo sendo muito dolorida para quem já perdeu alguém ou algo que lhe era muito caro, é também uma lição de como devemos nos desapegar das coisas, pois nem as coisas nem as pessoas são nossas.

"Elizabeth Bishop, americana, viveu no Brasil e toda sua vida toda teria dificuldades para sustentar sua carreira, dependia bastante de doações, empréstimos, prêmios e outros incentivos universitários. Em 1951, ao receber 2,500 dólares do Bryn Mawr College (importância então considerável) pode decidir-se a navegar ao redor da América do Sul. Chegou a Santos em Novembro, esperando ficar duas semanas, para desfrutar da paisagem numa curta pausa de sua semanas em sua longa viagem, mas sua estada se estendeu por mais de vinte anos.

O Brasil marcou sua vida como temática de numerosos poemas, contos e cartas, e, como afirma a obra «Brasiliana da Biblioteca Nacional», de 2001, em sua página 107, «como vivência afetiva, pautada sobretudo pela longa relação amorosa com Lota Macedo Soares Tal amizade lhe daria estabilidade e amor e estabeleceu residência no Rio de Janeiro, depois nos arredores, em Petrópolis e mais tarde em Ouro Preto .

Diz a mesma obra: «Representante ilustre da poesia moderna norte-americana, Bishop residiu no Brasil como estrangeira voluntariamente exilada de seu país, mas profundamente conectada com o movimento cultural norte-americano», principalmente com o poeta  Robert Loewe e com sua mentora Marianne Moore. (....) «Traduziu poemas dos principais expoentes do modernismo brasileiro e manteve relações cordiais com vários desses artistas.»
Chegou no último governo Vargas, documentou o suicídio do presidente, viu a ascensão de JK e a queda de Jango Goulart . Endossava as opiniões de sua namorada Lota, paisagista e amiga de Carlos Lacerda, partidária de posições udenistas. Com simpatias pelo partido democrático nos Estados Unidos, críticas ao sistema de segregação racial norte-americano, assumiu no Brasil uma posição antiesquerdista. Mas a verdade é que a política jamais foi tema de interesse central para ela. Sua percepção das contradições brasileiras é sutil e perspicaz em poemas sobre a paisagem de Santarém/PA , por exemplo, na evocação das chuvas tropicais, na sátira social explícita (poema Pink Dog, por exemplo) no retrato dos pobres urbanos.

Vendendo a casa de Ouro Preto após o suicídio de Lota, no início da década de 1970 retornou defitinivamente aos Estados Unidos.

Enquanto vivia no Brasil, em 1956 recebeu o prêmio Pulitzer pelo livro «North & South — A Cold Spring». Receberia mais tarde o Prêmio Nacional do Livro (the National Book Award) e o prêmio nacional do círculo dos Críticos literários (the National Book Critics Circle Award) assim como duas bolsas Guggenheim e uma da Ingram Merrill Foundation. Tornou-se poeta residente na Universidade de Harvard em 1969. Começou em 1971 uma amizade íntima com Alice Methfessel que duraria até sua morte em 1979.


Em 1976, foi a primeira mulher a receber o International Neustadt Prize for Literature (prêmio internacional Neustadt de Literatura) e continua sendo o único americano a recebê-lo.

Escreveu muito para a revista The New Yorker, e em 1964 escreveu o obituário de Flannery O'Connor para a The New York Review of Books. Fazia muitas conferências, e durante uns poucos anos ensinou na Universidade de Washington, antes de se mudar para Harvard por sete anos. Ensinou ainda na Universidade de Nova Iorque, antes de terminar seus dias de ensino no Massachussetts Institute of Technology (MIT).

Gastava meses, por vezes anos, escrevendo um poema apenas, trabalhando para obter um sentido de espontaneidade. Apaixonada pela exatidão, recriou os mundos do Canadá, Améria, Europa e Brasil. Não admitia ter pena de si mesma, mas seus poemas mal escondem todas as dificuldades como mulher, como lésbica, como órfã, como viajante sem raízes, ou asmática frequentemente hospitalizada, mulher que sofria de depressão e por vezes alcoolismo.



"I'm not interested in big-scale work as such," disse uma vez a Lowell. "Something needn't be large to be good." O que simplesmente quer dizer que não estava intressada por trabalho em larga escala, por não acreditar que algo precisasse ser grande para ser bom…

(Trecho biográfico retirado da Wikipédia)

Bem, agora vamos lá à poesia que se denomina UMA ARTE:


A arte de perder não tarda aprender;
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.

Perca algo a cada dia.
Aceita o susto
de perder chaves,
e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.

Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias ir.
Nenhuma perda trará desastre.

Perdi o relógio de minha mãe.
A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.

Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.

— Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda - escreva tudo! - lembre desastre.

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